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“Sea of change” e “Further thoughts on Sea of Change”

Em artigo recente chamado “Sea of Change”, Howard Marks, investidor e co-presidente da OakTree, detalha porque em sua visão os mercados podem passar pela frente por o que ele chama a terceira “verdadeira mudança”, desde que ele começou sua carreira há 53 anos atrás. Como “verdadeira mudança”, Marks se refere há uma mudança do ambiente para investimentos que vai além das ciclos econômicos, bolhas e momentos de pânico.

Abaixo fazemos um resumo sobre sua visão, incluindo seus argumentos adicionais expostos no segundo artigo sobre o tema chamado “Further thoughts on Sea of Change”.

Howard Marks é um investidor e autor americano nascido em 1946, nos Estados Unidos e é amplamente reconhecido por sua experiência no mercado financeiro e seus escritos sobre investimentos. Ele é co-presidente da OakTree – uma empresa  americana de gestão de ativos globais especializada em estratégias alternativas de investimento e uma das maiores investidoras em títulos de risco no mundo 

A relação risco x retorno

Em 1978, Howard Marks passou a investir em empresas consideradas de risco, mas que ofereciam uma contraparte interessante, o que garantiu retornos muito acima do que se esperava para aquela época, onde se acreditava, sobretudo, no investimento considerado seguro.

Este fenômeno conferiu ao mercado de investimentos de títulos de alto rendimento um salto de valor que passou de $2 bilhões de dólares na época para $1,2 trilhão de dólares atualmente. 

Além disso, esse novo comportamento do mercado permitiu que empresas menores pudessem recorrer a empréstimos via títulos de alto rendimento para comprarem empresas maiores, o que impulsionou aquisições alavancadas e empresas de Private Equity1.

Essa, segundo Marks, consolidou uma mudança-chave na história dos investimentos dos últimos 50 anos: a passagem do investimento seguro/qualitativo para o de melhor risco e retorno, que prevalece nos dias atuais.

O juros americanos de 1979

Por volta do mesmo período da primeira grande mudança explicada por Marks, a OPEP2 iniciou um embargo na produção de petróleo, o que acarretou uma disparada dos preços da commodity. Esse é o gatilho da segunda grande mudança.

O efeito da alta do preço do barril de petróleo ocasionou uma subida repentina da inflação no EUA, que passou de 3,2% em 1972 para 13,5% em 1980 e que se refletiu em aumentos salariais, que agravou ainda mais a crise inflacionária, impactando negativamente a economia dos países.

Depois de diversas medidas fracassadas para conter o problema, Paul Volcker assume o FED em 1979 e executa uma escalada dos juros que, finalmente, retornou a inflação americana a patamares de 3,2% em 1983.

O período subsequente ao sucesso de Volcker deu início a quatro décadas de juros em declínio, o que configurou a segunda mudança percebida por Howard Marks: o otimismo entre investidores que impulsionou lucros com investimentos mais arriscados.

Os novos ventos favoráveis

Investidores viram o S&P 500 subir de 102 pontos em 1983 para 4796 em 2022, o que equivale a um retorno médio anual de 10,3%. Segundo Marks, esse sucesso se deve a quatro fatores:

  • Crescimento econômico dos EUA
  • Desempenho robusto das grandes empresas americanas
  • Avanços tecnológicos e Globalização
  • Queda dos juros americanos

Howard Marks ainda destaca que o último fator é o mais importante da equação, já que as taxas de juros caíram 2 mil pontos-base, passando de 22,5% para 2,25% em quatro décadas. Para entender melhor o significado da queda, Marks reforça os efeitos dela:

  • Estímulo do crescimento econômico 
  • Prejuízo aos poupadores e incentivo aos tomadores de empréstimos
  • Redução de custos de capital das empresas
  • Aumento do valor de ativos impulsionando preços de ações e de imóveis
  • Diminuição de TR3 exigida por investidores elevando ainda mais o preço de ativos
  • Sensação de prosperidade e riqueza que estimula gastos
  • Incentivo a alavancagem para compra de ativos

Howard Marks ainda é enfático ao detalhar como a alavancagem na compra de ativos com capital tomado por empréstimos em cenários de taxas de juros decrescentes pode tornar uma operação muito mais lucrativa em consonância ao fácil e barato acesso à capital.

Esse período foi, então, na visão de Marks, uma época próspera graças, principalmante, à queda dos juros americanos.

A nova grande mudança

Os anos entre 2009, fim da Crise Financeira Global, e 2020, início da Pandemia da COVID-19, foram marcados por taxas de juros muito baixas e um ambiente bastante incomum em termos macroeconômicos.

Este cenário se deu pelos esforços do FED em 2008, que reduziu a taxa de juros a quase 0% para combater a crise. Além disso, o órgão americano também empregou o Quantative Easing que gerou efeitos significativos, como se lê abaixo:

  • Taxas de juros baixas e liquidez estimularam a economia e impulsionaram os mercados 
  • Crescimento econômico forte e custos de juros menores aumentaram os lucros corporativos 
  • Valores de ativos subiram constantemente 
  • Investidores superaram o medo da crise (FOMO
  • Os mercados de capitais reabriram, tornando o financiamento empresarial barato e fácil 
  • Baixos rendimentos em investimentos seguros levaram investidores a ativos mais arriscados 
  • A baixa taxa de inadimplência e falências foi atribuída ao crescimento econômico e à liquidez 
  • Globalização e paz relativa no mundo foram influências positiva 

Durante a última pandemia, o FED implementou rapidamente um plano de resgate em grande escala, e o governo dos EUA forneceu empréstimos e ajuda financeira. Isso resultou em uma recuperação econômica rápida e uma recuperação de mercado ainda mais veloz, na contramão da anterior.

O S&P 500 acusou o pacote com alta de 114% em dois anos (2020-2022). 

Os problemas do investimento

Toda a experiência de Marks o levou, por muitos anos, a ministrar palestras e liderar reuniões que inevitavelmente abordavam quatro pontos centrais sobre o mundo dos investimentos:

  • Investir como antes e aceitar retornos mais baixos
  • Reduzir o risco para se proteger de uma correção de mercado e aceitar retornos ainda menores 
  • Manter o dinheiro em caixa com retorno zero na esperança de uma queda de mercado 
  • Aumentar o risco na busca de retornos mais altos 

Em suma, Howard Marks assinala que todos esses dilemas possuem o mesmo problema raiz: é difícil obter retornos sólidos e seguros em um mundo de baixos retornos. 

A resposta para esta raiz é apresentada por Marks como a variedade de momentos e pensamentos, que foi responsável por momentos como o otimismo de 2009 a 2021, quando tomadores de empréstimos e donos de ativos percebram grandes valorizações, com a reviravolta atual, explicada abaixo.

O cenário atual e a nova grande mudança

Nos últimos anos, houve uma reviravolta na situação. A inflação surgiu em 2021 devido ao excesso de dinheiro em busca de bens e serviços escassos, causado pelo acúmulo de economias durante a pandemia e pelos programas de ajuda da Covid-19. 

O FED considerou essa inflação como temporária e manteve políticas de juros baixos e flexibilização quantitativa, estimulando ainda mais a demanda, especialmente por moradias, em um momento em que não era necessário. 

Com a piora da inflação em 2022, o FED voltou atrás e considerou que o problema não era passageiro. A resposta veio com o Fed reduzindo suas compras de títulos em novembro e aumentando as taxas de juros em março de 2022.  Isso afetou o mercado de ações, que havia ignorado a inflação e as taxas de juros crescentes na maior parte de 2021, o que culminou em uma queda no final do ano. 

Howard Marks ainda crava em On the Couch (Janeiro de 2016) que após esses eventos, a reação dos investidores, muitas vezes, segue um padrão previsível, oscilando de otimismo extremo a pessimismo extremo à medida que eventos anteriormente considerados inofensivos são interpretados como desastrosos. 

A perspectiva futura

Se, por um lado, o mantra que se repete é de que o recente rali do S&P 500 foi impulsionado por crenças de que a inflação está diminuindo, que o FED passará de uma política restritiva para uma política estimulante, que as taxas de juros retornarão a níveis mais baixos e que uma recessão será evitada ou será breve, o que seria uma retomada de um cenário positivo, Marks tem outra visão explicada em tópicos-chave do que acontecerá com o sentimento do investidor e dos fatores determinantes para a performance do mercado de investimentos americano.

  • Inflação e taxas de juros seguem como fatores dominantes no ambiente de investimento 
  • O controle da inflação dependerá da despesa de economias superabundantes, normalização da oferta e demanda e enfraquecimento da globalização 
  • O FED está se movendo para aumentar as taxas de juros e reverter as políticas estimulantes, mas o processo é incerto e dependerá de como a economia e a inflação evoluírem 
  • Para manter sua credibilidade, o FED não quer mudar de políticas restritivas para estimulantes novamente de forma abrupta  
  • O futuro do balanço do FED e de suas atividades de compra de títulos também desempenharão um papel importante 
  • A falta de um mercado livre de dinheiro tem implicações para a alocação de capital e para as políticas do próprio FED 
  • Há riscos associados a manter taxas de juros estimulantes a longo prazo, incluindo inflação 
  • No contexto histórico, as taxas de juros atuais podem não ser tão baixas quanto parecem 
  • A evolução da situação econômica e do FED continuará a ser uma grande influência no ambiente de investimento 

Em suma, Marks acredita que a taxa de juros básica nos próximos anos provavelmente ficará na faixa de 2-4%, em vez de 0-2%, mas destaca que a OakTree não fará apostas financeiras com base nessa crença, já que o cenário atual parece apontar para uma recessão nos próximos 12 a 28 meses, dificuldade de crédito, maior inadimplência e manutenção de taxas de juros significativas.

Marks segue apontando que, agora, podemos obter bons retornos de investimentos em crédito, o que é uma grande mudança comparada ao período de baixos retornos entre 2009 e 2021. Tanto aqueles que realizam empréstimos, como os compradores de oportunidades estão em uma posição melhor.

O que pode ser realmente diferente

Howard Marks antecipa que o conceito que deve ser diferente desta vez tão repetido pelo mercado é exagerado e, normalmente, baseado em circunstâncias isoladas. O Crash de 19877 é utilizado para ilustrar o pensamento.

Os argumentos da Grande Mudança sugerida por Marks possuem os seguintes planos anteriormente mencionados. Portanto, é provável que enfrentemos tempos mais difíceis, como lucros corporativos menores, valorização de ativos mais lenta, dificuldades em conseguir empréstimos e aumento de riscos de inadimplência. 

Se estamos mesmo passando por uma mudança significativa no ambiente de investimento, não devemos contar que as estratégias que funcionaram bem desde 2009 continuarão a ser eficazes nos próximos anos. 

O autor reforça – com a analogia do Sapo na Panela – que o efeito da queda de juros ao longo de décadas passou despercebido por muitos investidores em função de sua graduação. No entanto, a ideia a ser adotada atualmente é que as pessoas podem ter se acostumado a essa tendência de longo prazo e considerá-la normal. Marks ainda aponta para a falta de memória financeira dos investidores que se traduziria pelo fato de que a maioria dos investidores entrou no mercado após 1980, período em que as taxas de juros estavam em declínio ou extremamente baixas.

Esse aspecto consolida a importância de análise histórica dos cenários de investimento. Com sua experiência e período de observação do mercado, Marks ressalta que não acredita que os juros retomarão patamares tão baixos como vistos nas épocas de otimismo descritas, delineando, portanto, um momento bastante mais difícil para investidores.

Assim, o autor entra nas melhores estratégias para enfrentar a terceira grande mudança.

A melhor alocação de ativos atualmente

Graças a mudanças recentes, os investidores podem obter retornos semelhantes aos das ações por meio de investimentos em crédito, superando o exigido de 6% em títulos que, atualmente, pagam cerca de 9% ao ano, conforme destacado por Marks em visitas a clientes ainda em 2022.

O autor menciona sua experiência em 1978, quando migrou sua alocação de ações para títulos, observando que os títulos não são tão sensíveis a flutuações econômicas e afins, uma vez que os títulos de dívidas garantem que, em caso de não cumprimento do compromisso junto ao credor, este pode tomar a propriedade da empresa por meio de falência.

Em suma, Marks acredita que os instrumentos de crédito devem ser considerados como uma parte substancial, talvez a maioria, das carteiras de investimento, assumindo que seu raciocínio se realize.

O autor diz que não está prevendo um retorno das altas taxas de juros, uma recessão grave e prolongada, ou um colapso do mercado de ações. Sua sugestão é simplesmente realocar o capital, afastando-se de investimentos em propriedade e alavancagem, e direcionando-o para empréstimos. 

A menos que haja sérias falhas na lógica, o autor acredita que uma realocação significativa de capital para o crédito é justificada. O texto, neste ponto, pode ser refletido pela seguinte passagem, feita em tradução livre:

Venda as grandes ações, as pequenas ações, as ações de valor, as ações de crescimento, as ações dos EUA e as ações estrangeiras. Venda o capital privado juntamente com o capital público, os imóveis, os fundos de hedge e o capital de risco. Venda tudo e coloque os rendimentos em títulos de alto rendimento a 9%.

Acesse os textos originais de Marks clicando abaixo: