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Ainda podemos ganhar com o trabalho remoto?

Com o seu colega e amigo Cannon-Brookes, que conheceu no primeiro dia do curso de tecnologia da informação empresarial na Universidade de New South Wales, Scott Farquhar construiu uma das maiores empresas exportadoras da Austrália. A Atlassian, caracterizada como uma empresa de software de colaboração, tem mais de 260.000 organizações como clientes – como a NASA, Audi, Telstra ou a Virgin Media.

Considerado um dos mais talentosos empreendedores da sua geração, Scott Farquhar demonstrou, de certa forma, que a Austrália ser uma espécie de Silicon Valley do Pacífico. Mas, ao contrário daqueles que pensam apenas em dinheiro, o cofundador da Atlassian mostra, nesta entrevista ao podcast Masters of Scale, as suas preocupações com a forma como se organiza trabalho e vida pessoal dos seus colaboradores.

A pandemia passou, e muitas empresas não sabem se devem ou não terminar a política de teletrabalho. Quais as vantagens? Quais as desvantagens? Para a Atlassian, o ponto de partida não podia ser mais claro: “cerca de 40% de nossos funcionários da Atlassian vivem a mais de duas horas de um escritório” (3:48), diz Scott. Este facto e a possibilidade de cativar profissionais que se encontravam bem longe da sede da empresa levou seus dois co-CEOs a decidirem alterar toda a forma de organização do trabalho, através de seu programa “Team Anywhere”.

Quando a mudança ocorreu, as perdas potenciais estimadas de funcionários, devido à transição para trabalho remoto, eram de até 20%, mas na realidade, explica Scott Farquhar, elas foram significativamente menores. O empresário australiano, a que alguns chamam (com uma certa dose de inveja) “bilionário acidental”, enfatiza que esta decisão foi parte de uma mudança consciente na forma de trabalho, descrevendo-a como um “caminho sem volta”. Ele explica: “Fizemos uma decisão muito cedo na pandemia, que permitiríamos que nossos funcionários trabalhassem de qualquer lugar, de forma distribuída”(3:26).

O debate sobre a eficácia do trabalho remoto é abordado através de um relatório de quarenta e cinco páginas da Atlassian, que contrapõe a noção de que a presença física no escritório é crucial para construir conexões com colegas de trabalho. E o próprio moderador do programa, Bob Safian, chegou a uma conclusão inesperada: “O que nos surpreendeu mais foi a descoberta de que não havia correlação entre estar no escritório todos os dias e uma sensação de conexão com colegas de trabalho”(6:48).

Esta revelação questiona o modelo tradicional de trabalho presencial diário e apoia a ideia de que encontros intencionais podem ser mais eficientes na construção de laços sociais. Farquhar afirma: “Acreditamos que você pode se reunir para o que chamamos de ‘juntamento intencional’, deliberadamente para construir laços sociais”(6:22).

Sobre a questão da produtividade no trabalho remoto, Farquhar oferece uma perspectiva distinta, desafiando a ideia de que o trabalho remoto é menos eficaz. Ele argumenta: “Nós não rastreamos as horas das pessoas. Olhando para os estudos de quando as pessoas usam nossos produtos e com que frequência estão em seus computadores, na verdade descobrimos que os dias das pessoas se expandiram”(11:55). Esta afirmação reflete a filosofia da Atlassian de focar nos resultados em vez da presença física dos funcionários. Afinal, sublinha, “presença em um escritório não é qualquer proxy para produtividade”(13:05).

A Atlassian também aborda o desafio de criar um ambiente de trabalho inclusivo para todos, independentemente de sua localização ou preferência de trabalho. Farquhar menciona a importância de não criar um sistema dual, como fazem outras empresas, que “operam um sistema de duas categorias, onde dizem, você pode trabalhar remotamente, mas isso é a sua carreira será prejudicada” (16:48). Ao seguir uma via diferente, a Atlassian compromete-se em fornecer igualdade de oportunidades para todos os funcionários, independentemente de sua escolha de local de trabalho.

Farquhar também reflete sobre o impacto do trabalho remoto nos vínculos humanos e na construção de relacionamentos dentro de uma organização. Ele acredita que “os laços humanos são construídos pessoalmente” (17:46) e que encontros físicos ocasionais podem ser tão significativos quanto a interação diária no escritório. Esta visão desafia a noção tradicional de que a proximidade física contínua é essencial para o desenvolvimento de relacionamentos de trabalho fortes.

A entrevista conclui com Farquhar expressando uma visão otimista sobre o futuro do trabalho. Ele acredita que a tendência é um movimento crescente em direção ao trabalho remoto e distribuído. Farquhar afirma: “A direção disso é clara. Vamos ficar mais distribuídos”(25:17). Esta declaração sinaliza uma mudança significativa na forma como as empresas e os funcionários abordam o trabalho, movendo-se para longe do modelo tradicional baseado no escritório.

*Para seu conforto, assinalamos o minuto da gravação a que correspondem estas citações