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Concentração no mercado de ações: um desafio para os gestores

O mercado de ações nos EUA atingiu níveis de concentração impressionantes nos últimos anos, com um pequeno grupo de empresas dominando grande parte da capitalização total do mercado. Este fenômeno, que afeta diretamente a rentabilidade dos fundos de gestão ativa, levanta discussões sobre a eficiência dos índices de referência, a diversificação dos portfólios e os desafios de gerar retornos superiores ao mercado.

Pontos-chave (Key Insights):

  • Concentração crescente do mercado de ações: O aumento significativo da concentração do mercado de ações, com as 10 maiores empresas representando 27% da capitalização de mercado norte-americano no final de 2023, mostra a influência desproporcional de algumas poucas grandes empresas no desempenho do mercado.
  • Desempenho das grandes capitalizações e criação de valor: Em 2023, essas 10 maiores empresas geraram 69% do lucro econômico total do mercado, o que mostra que a criação de valor está fortemente concentrada nessas grandes corporações, justificando em parte sua posição dominante.
  • Como superar o benchmark: Em períodos em que as grandes capitalizações superam as menores, uma menor proporção de gestores ativos consegue superar o índice de referência (S&P 500). Isso destaca a importância de estratégias diferenciadas para gestores que buscam superar benchmarks altamente concentrados.

As árvores que escondem a floresta

Em apenas uma década, as dez maiores ações do S&P 500, a referência para fundos de ações dos EUA, duplicaram o seu peso no conjunto que compõe o índice. No final de 2023, valiam 27% do total, o que se explica pelo desempenho extraordinário de algumas tecnológicas. Elas fazem parte de um grupo restrito de empresas, a que costumamos chamar as “Sete Magníficas”, e contribuíram para mais da metade do ganho total do S&P 500 em 2023.

A concentração de mercado provoca uma série de discussões, desde perceber o efeito sobre a perda de diversificação até especulações sobre uma possível bolha. Mas será que uma concentração tão elevada é algo novo? Qual é o significado para os gestores de portfólio? São perguntas a que Michael J. Mauboussin, Head of Research do Morgan Stanley e Dan Callahan, vice-presidente do Morgan Stanley Investment Management, procuram responder numa recente análise, que aqui resumimos.

Uma característica importante do S&P 500 é sua estrutura de capitalização ponderada, onde o tamanho do investimento em cada ação reflete o valor de mercado relativo da empresa. Isso significa que empresas maiores têm um peso maior no índice, o que pode gerar uma concentração significativa do mercado. A concentração, recordamos, “mede quanto da capitalização total do mercado está em um pequeno número de ações”. Mas, como sugere o título do paper (“How Much is Too Much?”), será que há um momento em que essa concentração é demasiada?

Para responder a esta questão, Mauboussin e Callahan propõem-se a analisar vários aspectos deste problema:

  • como evoluiu a concentração ao longo dos últimos três quartos de século;
  • será que existe um nível correto de concentração?
  • o desempenho corporativo justifica esta concentração?
  • o que esta concentração significa para os gestores ativos de ações.

Mesmo que as respostas a estas questões não tragam esclarecimentos definitivos, eles poderão tornar mais claro se estamos mesmo, como alguns sustentam, perante uma situação anormal, uma sobrevalorização de algumas ações, ou – pelo contrário – se haverá outras explicações para a tão elevada concentração no mercado dos EUA.

O que nos diz o histórico: 1950 a 2023

A análise histórica da concentração de mercado mostra que o nível de concentração atual (de 27%) se aproxima do pico observado em 1963 (30%), como o quadro seguinte indica. O menor nível foi registrado em 1993, com 12%, e a tendência recente reflete um movimento constante de alta desde 2014.

O trabalho cita três professores de finanças, Dimson, Marsh e Staunton, que ampliaram a análise até ao início do século XX: “eles concluíram que a concentração dos anos 30 nos Estados Unidos era similar à dos anos 60, e que em 1900, as dez principais ações valiam 38 por cento do mercado”, assinalam os profissionais do Morgan Stanley. Isso mostra que a concentração atual pode parecer muito elevada em relação à década anterior, “mas tem muitos precedentes”.

Mauboussin e Callaham evidenciam igualmente que o fenômeno não se limita aos EUA: “o índice MSCI All Country World, que abrange tanto economias desenvolvidas quanto emergentes, mostra um padrão semelhante”.

Será que existe um nível correto de concentração?

O segundo problema avalia se é possível determinar um nível “correto” de concentração. Uma maneira de abordar essa questão é comparar o mercado de ações norte-americano com os de outros países. Em 2023, os EUA eram o quarto mercado mais diversificado do mundo. Como esse mercado de ações representava cerca de 60% da capitalização total dos mercados globais nesse ano, mudanças na sua composição têm um impacto desproporcional nos índices globais, como o MSCI All Country World Index, que anteriormente referimos.

Estudos indicam que, historicamente, em 47 mercados de ações entre 1989 e 2011, a média de concentração das 10 maiores empresas era de 48%. Em países como Finlândia e Suíça, a concentração chegou a ultrapassar 80% em determinados anos: um exemplo é a Nokia, que no início dos anos 2000 representava quase dois terços da capitalização total do mercado finlandês.

Nos EUA, o aumento da concentração pode ser atribuído ao fato de que as empresas de maior capitalização têm gerado retornos superiores ao mercado em geral. Isso levanta a questão: e se as ações dessas grandes empresas tivessem sido avaliadas de maneira diferente no passado? “Se aplicarmos o retorno do mercado às maiores empresas em 2023 e recuarmos cinco e dez anos, podemos ver que a concentração teria sido maior nesses períodos caso as empresas fossem precificadas corretamente”, explicam os autores.

Em 2018, por exemplo, a participação das 10 maiores empresas no mercado dos EUA era de 17,8%, mas teria sido de 22,1% se suas valorizações já refletissem os retornos de 2023. Em 2013, a participação real das 10 maiores era de 13,6%, mas o cálculo teórico aponta que teria sido de 18,1%.

“Concluir o nível ideal de concentração é uma tarefa complexa. Mercados fora dos EUA tendem a ser mais concentrados, mas como os EUA dominam a capitalização mundial, seus movimentos impactam o cenário global”, acrescentam Mauboussin e Callahan. O fato de que grandes empresas podem ter sido subvalorizadas no passado e obtido retornos excepcionais sugere que a concentração anterior poderia estar abaixo do ideal.

Justificativa Pelos Fundamentos Econômicos

A concentração no mercado de ações pode ser explicada pela distribuição da criação de valor entre as empresas. Ao longo do tempo, estas perspectivas podem melhorar ou piorar, e os preços das ações refletem essas expectativas futuras, pelo que – referem Mauboussin e Callaham – a concentração “pode ser justificada se a capitalização de mercado refletir o potencial de criação de valor”.

Um modo de medir a criação de valor é o lucro econômico, que é a diferença entre o retorno sobre o capital investido (ROIC) e o custo médio ponderado de capital (WACC), multiplicado pelo capital investido. O lucro econômico não só mede a criação de valor, mas também a dimensão da oportunidade com base no capital investido.

“Em 2023, o lucro econômico das 10 maiores empresas por capitalização de mercado nos EUA foi de US$ 331 bilhões, representando 69% do lucro econômico total, enquanto essas empresas constituíam 27% da capitalização de mercado”, lembram os autores. Isso sugere que existe claramente uma correlação entre a concentração do mercado e o lucro econômico gerado por essas grandes empresas.

Nos últimos anos, a diferença no ROIC entre grandes e pequenas empresas se ampliou. De 2000 a 2023, o ROIC médio das grandes empresas foi 4,1 pontos percentuais superior ao das pequenas, indicando que as empresas de maior capitalização têm se destacado na criação de valor, como se vê no quadro seguinte:

A disparidade crescente no ROIC contribui para a concentração do mercado, mas mostra que as grandes empresas têm fundamentos econômicos sólidos que justificam suas valorizações. Dessa forma, mesmo que a concentração possa parecer elevada, ela é suportada pela criação de valor dessas empresas líderes, o que justifica, em parte, seu crescimento contínuo no mercado de ações.

Impactos para Gestores Ativos e Investidores

“O aumento da concentração no mercado de ações é um desafio para gestores ativos, já que eles tendem a possuir ações de empresas com menor capitalização em comparação aos benchmarks”, sublinha-se ainda neste estudo. Isso significa que quando as maiores empresas cotadas têm melhor desempenho em relação às pequenas, menos fundos ativos superam o benchmark. Mas o contrário também é verdadeiro: nas décadas de 1970 e 2000, a percentagem de gestores que superaram o mercado foi maior, coincidindo com um desempenho superior das pequenas empresas.

Nas décadas de 1980, 1990 e 2010, quando as grandes empresas de capital aberto se destacaram, menos gestores superaram os índices de referência. O crescimento da concentração de mercado foi mais acentuado na última década, com ações de grandes empresas apresentando maiores retornos que as de pequenas.

Para investigar como os acionistas das principais empresas se saíram ao longo do tempo, os autores criaram um índice de TSR (retorno total para o acionista) relativo ao S&P 500 para cada uma das três maiores ações, começando no final de 1950. O índice é definido em 100 para cada posição individual e muda anualmente com base nos TSRs relativos das ações nas posições no final do ano anterior.

Duas conclusões importantes foram destacadas: “primeiro, a ação mais valiosa historicamente tem sido um mau investimento, com retornos médios anuais abaixo do índice S&P 500”, tanto em termos aritméticos (-1,9%) quanto geométricos (-4,3%), refletindo alta volatilidade. Isso está de acordo com pesquisas anteriores.

Em contraste, as segunda e terceira maiores ações apresentaram retornos melhores, com médias aritméticas de 2,6% e 1,6%, respectivamente, e menos volatilidade. De 2013 a 2023, as três principais ações, incluindo Apple, Microsoft e Alphabet, tiveram retornos significativamente superiores aos períodos anteriores.

Embora o crescimento das grandes empresas seja impressionante, há um limite para o tamanho, o que sugere cautela. Mas podemos ser moderadamente otimistas, até porque “as novas tecnologias, como a inteligência artificial podem continuar beneficiando desproporcionalmente as grandes empresas”.

Em conclusão, Mauboussin e Callaham consideram que a concentração de mercado, “representa um desafio para os gestores ativos, já que eles costumam ter carteiras com capitalizações de mercado menores que seus benchmarks. Isso dificulta a superação dos índices quando a concentração aumenta”. A concentração também levanta preocupações sobre a diversificação e o possível impacto negativo dos fluxos para fundos de índice.

Embora poucos tenham permanecido entre os líderes de capitalização por muito tempo, as principais ações de hoje, como Apple e Microsoft, justificam sua alta capitalização com sólidos fundamentos econômicos. Entre 2014 e 2023, as 10 maiores empresas representaram 19% da capitalização de mercado e 47% dos lucros econômicos. Em 2023, elas constituíram 27% da capitalização e 69% dos lucros. As ações maiores, apesar de caras, refletem empresas com fortes retornos sobre o capital e perspectivas de crescimento.

Por fim, historicamente, possuir as maiores ações não foi um bom investimento até cerca de uma década atrás. No entanto, de 2014 a 2023, as três maiores ações geraram retornos relativos superiores. Por tudo isso, resumem, pode dizer-se que “o futuro é incerto, mas as avaliações sobre vantagem competitiva sustentável e crescimento serão essenciais para determinar o caminho a seguir”.

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