O autor anônimo da OnlyCFO, newsletter com mais de vinte mil leitores assinantes, focada nos mais diversos assuntos do mercado financeiro, escreveu um interessante e importante texto sobre a remuneração baseada em ações (SBC).
Esse artigo do OnlyCFO aborda os conceitos básicos que envolvem a SBC e deixa claro como as despesas da SBC podem ser enganosas devido à complexidade envolvida em sua contabilização. Afinal, essas despesas são um indicador indireto do que realmente importa, que é a diluição acionária, e muitas vezes não refletem adequadamente esse impacto.
Confira abaixo as principais ideias do texto.
O que é SBC?
A SBC nada mais é do que um benefício de participação acionária concedido a funcionários geralmente com condição baseada no tempo de serviço do colaborador com um cronograma de vesting de 4 anos (cliff de 1 ano e vesting mensal/trimestral depois disso). Por exemplo, um funcionário com uma opção de compra de 10 mil ações, com um cliff de 1 ano e vesting mensal a partir de então, vai adquirir 2.500 ações após o primeiro ano e mais 208 a cada mês pelos próximos 36 meses.
As duas principais maneiras de avaliar o impacto da SBC são através das despesas da SBC registradas na demonstração de resultados e da diluição acionária causada pela SBC. Embora a primeira forma seja frequentemente usada, as despesas da SBC podem ser um indicador muito equivocado do que de fato importa: a diluição acionária.
Nisso, os principais tipos de benefícios de participação acionária são opções de compra de ações, unidades de ações restritas (RSUs) e planos de compra de ações para colaboradores (ESPPs).
- Opções de ações – uma vez adquiridas, os colaboradores têm o direito de comprar ações pelo valor justo de mercado na data de concessão das ações.
- RSUs – os funcionários recebem uma série de RSUs e ações após o período de vesting sem a necessidade de qualquer compra.
- ESPPs – fazem parte de um programa empresarial que permite aos funcionários comprar ações por meio de deduções de seus salários com desconto em relação ao preço vigente (até 15% de desconto). Muitos, inclusive, possuem uma cláusula de retroatividade que concede ao colaborador a compra de ações pelo menor preço entre o preço atual ou o preço do início do período da oferta – normalmente isso se aplica apenas a companhias públicas.
RSUs x opções de compra de ações
A maior diferença entre opções de compra de ações e as RSUs, de acordo com o OnlyCFO, é que as RSUs sempre têm valor e criam diluição para os acionistas quando adquiridas, já que não precisam pagar nada para obterem as ações.
Em contrapartida, as opções de compra de ações exigem pagamento para possuir as ações e podem ficar “submersas” se o preço das ações for inferior ao preço de exercício, o qual é o preço que se deve pagar para comprar as ações.
De todo modo, as empresas não fornecem o mesmo número de opções de compra de ações que fornecem em RSUs aos funcionários, uma vez que as RSUs possuem valor assegurado quando a companhia tem ou está próxima de ter seu capital aberto e as opções de compra de ações podem ser inúteis se o preço das ações não subir. As RSUs, portanto, garantem diluição acionária e as opções de compra de ações são apenas potencialmente diluidoras.
Os problemas das RSUs em empresas privadas
Enquanto as RSUs estão sujeitas a imposto de renda quando são adquiridas, as opções de compra de ações normalmente só são tributadas depois de exercidas. Logo, o impacto fiscal está mais sob o controle do colaborador quando se trata das opções de compra de ações. É exatamente por isso que as companhias privadas que concedem RSUs quase sempre adicionam um gatilho duplo de vesting: aquisição baseada no tempo e evento de liquidez, como oferta pública inicial (IPO) ou aquisição.
O OnlyCFO esclarece que, quando a empresa é privada, a condição do evento de liquidez é acrescentada para garantir que os funcionários não fiquem presos a uma grande conta de impostos que não podem pagar porque não há mercado para vender suas ações.
O detalhe é que essas RSUs de gatilho duplo geralmente expiram dentro de 5 a 7 anos e as opções de compra de ações normalmente possuem um prazo de validade de 10 anos. A Stripe, por exemplo, passou a conceder RSUs com gatilhos duplos em 2016 com validade de 7 anos, que começaram a expirar neste ano de 2023. Como a janela de IPO está fechada e a Stripe não sabia quando poderia realizar uma IPO, a companhia levantou fundos para modificar os benefícios dos colaboradores, removendo a condição de IPO e fornecendo liquidez.
No entanto, empresas privadas com esses tipos de RSUs não registram nenhuma despesa da SBC até que a IPO realmente aconteça, por isso há uma grande recuperação de despesas, tornando as despesas da SBC irregulares.
Como funcionam as despesas da SBC?
As regras contábeis exigem que as companhias reconheçam as despesas dos benefícios de participação acionária em sua demonstração de resultados, muitas vezes através de notas explicativas, como a da Snowflake abaixo.
A forma como essas despesas são reconhecidas na demonstração de resultados pode ser confusa e levar a conclusões erradas. Por ser um tópico complicado e com muitas nuances, o OnlyCFO expõe alguns significativos pontos, como os dois conceitos principais que determinam a contabilização da SBC: o valor justo do benefício e o momento da despesa.
O valor justo de um benefício de participação acionária é quase sempre determinado na data de concessão (quando o conselho o aprova) e NÃO é alterado posteriormente. Enquanto o valor justo de RSUs é o preço da ação na data de concessão, o valor justo das opções de compra de ações é, na maioria das vezes, calculado usando o modelo Black- Scholes.
Como uma divulgação financeira obrigatória consiste no valor justo médio na data de concessão das opções de compra de ações, é possível analisar as demonstrações financeiras de uma companhia e ver como as opções de compra de ações estão sendo contabilizadas.
Nisso, a maior parte dos benefícios de participação acionária é reconhecida ao longo do período de serviço exigido, normalmente 4 anos, mas existem três tipos de condições de vesting: de serviço (tempo), desempenho (metas) e mercado (preço das ações ou metas de avaliação).
Para benefícios com uma única condição de serviço, as companhias podem escolher contabilizá-los por meio do método acelerado ou do método linear.
O criador do OnlyCFO destaca que quase todas participações acionárias são adquiridas em parcelas – geralmente 37. No método acelerado, cada uma das despesas é contabilizada como despesa desde a data de concessão até suas respectivas datas de término da aquisição. O exemplo abaixo com somente 4 parcelas ao longo de 4 anos evidencia o quanto isso acelera as despesas, tanto que soma quase 80% nos primeiros 2 anos.
Entretanto, o mais comum é o método linear, o qual a despesa é reconhecida uniformemente ao longo de um típico período de vesting de 4 anos (25% por ano). Apesar da despesa total acabar sendo a mesma, a diferença entre o método acelerado e o linear pode causar algumas grandes variações temporárias na SBC.
Aliás, é importante salientar que, para benefícios concedidos com condições de desempenho ou mercado, DEVE ser utilizado o método acelerado. Assim, se uma companhia tiver concedido muitos desses benefícios, o momento da despesa da SBC pode parecer significativamente diferente entre as empresas.
Medidas non-GAAP
Os princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) são regras que orientam a contabilidade e os relatórios financeiros das companhias. As empresas, porém, muitas vezes desejam apresentar informações que consideram mais precisas em relação à economia de seus negócios. Segundo o autor do OnlyCFO, a SBC é o ajuste mais comum que pode ser enganoso quanto ao potencial de retorno para os investidores.
Duas das medidas non-GAAP favoritas das companhias de software são o fluxo de caixa do acionista (FCF) e o lucro líquido non-GAAP.
O FCF consiste em caixa das operações, compras de ativos fixos e software capitalizado, ou seja, reflete o caixa gerado/utilizado nas operações normais do negócio, servindo como um indicador da rentabilidade e liquidez da empresa.
O detalhe é que o FCF parece muito melhor do que o lucro líquido GAAP, pois exclui a SBC, que não envolve dinheiro diretamente. Desse jeito, muitos tentam incorporar o impacto negativo da SBC ajustando o FCF, mas as despesas com SBC regularmente não são um bom indicador do impacto na diluição (como é possível notar abaixo).
Inclusive, sempre que um número financeiro non-GAAP é apresentado, a empresa é obrigada a fazer a reconciliação com o equivalente GAAP. A Snowflake, por exemplo, apresentou uma reconciliação entre o prejuízo líquido GAAP e o lucro líquido non-GAAP em seu primeiro trimestre.
A despesa da SBC de 288 milhões de dólares, que representava 46% da receita, foi adicionada para permitir à Snowflake relatar um “lucro líquido non-GAAP”.
Despesas da SBC são enganosas
Conforme o OnlyCFO, as despesas da SBC podem ser enganosas de várias maneiras, tanto que aqui estão algumas delas:
A volatilidade do preço das ações pode tornar as despesas da SBC incomparáveis. Vejamos um exemplo de duas companhias hipotéticas: a Empresa 1 (E1) abriu capital em janeiro de 2021 e teve avaliação e preço das ações astronomicamente altos. Dobrou sua equipe até o final de 2021 e, nisso, o preço das ações continuava a subir. Todos esses funcionários receberam participação acionária a esses preços elevados. Contudo, o preço das ações subsequentemente despencou nos 6 meses seguintes. Já a Empresa 2 (E2) abriu capital um ano depois com uma avaliação 20% menor que a da E1 devido à desaceleração do mercado e também dobrou o número de colaboradores nos 12 meses seguintes, quando o preço das ações estava em 20% do valor da E1.
A E1 e a E2 poderiam ser idênticas, mas a E1 teria significativamente mais despesas com SBC devido à volatilidade do preço das ações de quando essas duas companhias aumentaram sua equipe. Como o valor justo de um benefício é fixado na data de concessão, as empresas podem ficar “presas” as essas despesas durante todo o período de vesting.
A propósito, a E2 provavelmente teve que conceder ainda mais ações do que a E1 para fornecer pacotes de benefícios aos funcionários com base em um valor em dólares, o que cria ainda mais diluição. Portanto, a E2 pode gerar despesas da SBC semelhantes às da E1, mas terá MUITO mais diluição. Uma ressalva aqui é que a E1 pode ser pressionada a também conceder mais benefícios aos colaboradores existentes, visto que as RSUs de todos valem agora 20% do que valiam antes.
As opções de compra de ações podem ter um impacto de diluição muito diferente das RSUs, mesmo quando as despesas da SBC são semelhantes. Quando os preços das ações estão constantemente subindo, as companhias que concedem mais opções de compra de ações podem causar um impacto mais dilutivo, porque são concedidas mais opções de compra de ações em comparação com as RSUs. Mas, quando os preços das ações caem, as opções de compra de ações ficam submersas e não causam diluição, ao contrário das RSUs, que sempre causam diluição.
Além disso, se as opções de compra de ações forem adquiridas, mas nunca exercidas, a despesa não será revertida, mesmo que não haja diluição – isso normalmente não se aplica às RSUs.
As regras contábeis permitem que as empresas contabilizem “perdas” de dois modos: 1) estimando as perdas ou 2) à medida que as perdas ocorrem. Perda, no caso, consiste na opção de compra de ações não adquirida que expira geralmente porque o funcionário deixa a companhia. A despesa da SBC registrada nas demonstrações financeiras provenientes de concessões que são posteriormente perdidas é revertida. Isso significa que se um colaborador tiver uma opção de compra de ações com cliff de 1 ano e ele sair após 11 meses, qualquer despesa reconhecida com essa opção de compra de ações será revertida. Portanto, as empresas podem estimar quanto dessa reversão de despesa da SBC ocorrerá ou reverter toda a despesa quando ela ocorrer. Para executivos com generosas concessões, essa diferença na contabilidade pode ter um impacto temporal significativo e tornar as despesas da SBC irregulares.
As regras contábeis permitem que as despesas da SBC sejam reconhecidas sob dois métodos diferentes. A diferença entre os dois métodos – acelerado e linear – nas despesas da SBC pode ser drástica. Ao comparar duas companhias diferentes que estão crescendo rapidamente, mas utilizam métodos distintos de contabilização da SBC, pode haver diferenças substanciais nas despesas da SBC. Por isso, é essencial que os investidores compreendam as políticas contábeis aplicadas.
Os benefícios de condição de mercado são contabilizados, mesmo se as condições de vesting não forem atendidas. Os benefícios de condição de mercado são uma exceção à declaração anterior de que as despesas da SBC relacionadas às perdas são revertidas. Aliás, eles só são adquiridos se a avaliação da empresa ou o preço das ações atingir um certo nível. Ao contrário das despesas dos outros benefícios de participação acionária, as despesas relacionadas aos benefícios de condição de mercado nunca são revertidas, mesmo que não criem diluição acionária.
Muitas companhias públicas tratam a SBC como equivalente a dinheiro, portanto, fazer muitos ajustes non-GAAP para remover a SBC é enganoso. Isso ocorre porque os funcionários participam dos ganhos, mas não compartilham muito o risco na queda. Tanto que os benefícios são concedidos com base em um valor em dólares, concessões adicionais de ações são frequentemente feitas se o preço das ações cair a fim de compensar os colaboradores e grande maioria dos funcionários vende as RSUs imediatamente após o período de vesting.
O mais importante?
Agora, após compreender os conceitos básicos relacionados à SBC e como as suas despesas podem ser enganosas por causa da complexidade envolvida em sua contabilização, fica fácil entender as armadilhas e conseguir tomar melhores decisões. Ainda que as regras contábeis possam levar a inconsistências no valor das despesas entre as empresas, especialmente em períodos de alta volatilidade nos preços das ações, o que mais importa mesmo, de acordo com o OnlyCFO, é a diluição acionária causada pela SBC.
Link para texto original: https://www.onlycfo.io/p/lies-of-stock-based-compensation