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A possível desaceleração do crescimento de lucros nos EUA

Nos últimos trinta anos, os mercados de ações dos Estados Unidos testemunharam um notável crescimento. De 1989 a 2019, excluindo o período da pandemia, o índice S&P 500 cresceu a uma taxa anual real de 5,5%, excluindo dividendos. 

O impressionante contraste com a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA, que foi de 2,5% no mesmo período, gera uma pergunta óbvia: o que pode explicar essa disparidade e, mais importante, ela é sustentável? Que consequências podem ter as alterações nas taxas de juro, que durante tantos anos se mantiveram num patamar muito reduzido?

“Pode ser tentador assumir que o desempenho excepcional do mercado de ações nos últimos trinta anos continuará indefinidamente. No entanto, minha análise indica o contrário”, avisa Michael Smolyansky, economista do FED, banco central americano.

De 1989 a 2019, a queda das taxas de juros e dos impostos corporativos foi um fator fundamental dos retornos do mercado de ações, quedas essas que não poderiam ter sido antecipadas em 1989. Em outras palavras, grande parte do prêmio de capital realizado ao longo desses anos teve mais a ver com sorte do que com a compensação pelo risco assumido”, explica. 

Neste artigo, Smolyansky apresenta uma investigação abrangente que analisa décadas de dados sobre os lucros corporativos, e a sua possível relação com as taxas de juros e os impostos corporativos. Os dados metodológicos encontram-se detalhados no fim do artigo original, cujo link está disponível no final deste resumo.

Um período dourado (1989-2019)

Para compreendermos o que aconteceu nestas três décadas, temos de olhar atentamente para as taxas de juro e para os impostos corporativos, considera o economista do FED. “Durante esses anos, tanto as taxas de juros quanto os impostos corporativos diminuíram substancialmente. Esse declínio teve um efeito mecânico de impulsionar significativamente o crescimento dos lucros corporativos.”

Comecemos pelas primeiras: as taxas de juros enfrentadas pelas maiores empresas não financeiras dos Estados Unidos, medidas pelo ratio de suas despesas de juros agregadas em relação à dívida agregada, estavam em torno de 10%, em 1989. No final desse ano, antes da pandemia de COVID-19, essa medida havia caído para cerca de 3,7%. A queda nas taxas de juros, como podemos ver na figura seguinte, foi ainda mais acentuada em 2022, quando atingiu um nível excepcionalmente baixo: 3,2%.

A redução significativa nas taxas de juros permitiu que estas despesas das empresas diminuíssem em relação aos seus lucros antes de juros e impostos, o que habitualmente designamos por EBIT. Em outras palavras, a capacidade das empresas de cobrir suas despesas de juros, medida pela relação entre o EBIT agregado e as despesas de juros agregadas, melhorou substancialmente. 

Isso levou a uma situação em que as empresas estavam gastando uma parcela muito menor de seus lucros com despesas de juros em 2019 do que em 1989. 

Em linha com o que aconteceu com muitas famílias e pequenas empresas, as mais poderosas e sonantes empresas do S&P 500 (do qual fazem parte, entre muitas outras, Apple, Microsoft, Amazon, Google, Tesla, Johnson & Johnson ou Meta, para citar apenas algumas do top 10) estavam conseguindo poupanças inesperadas, ano após ano, para investir, reduzir dívida ou remunerar os seus investidores. 

Outro fator-chave que impulsionou o crescimento excepcional dos lucros corporativos nesse período foi a queda nos impostos corporativos. 

“Os impostos corporativos efetivos para empresas não financeiras do S&P 500 diminuíram de 34% em 1989 para 15% em 2019”, sublinha Smolyansky. Isto é perfeitamente visível no gráfico seguinte.

Acrescenta-se como nota, que os impostos corporativos aumentaram recentemente nos Estados Unidos, com a introdução de uma taxa mínima corporativa de 15% em 2022. Em contraste, alguns anos atrás, a Lei de Redução de Impostos e Empregos reduziu o imposto corporativo estatutário de 35% para 21%.

Mas nem tudo são boas notícias: com a dívida dos EUA em relação ao PIB em níveis historicamente altos, a probabilidade de outro corte de impostos corporativos financiado por déficit é baixa. Portanto, um cenário otimista é que os impostos corporativos permaneçam próximos dos níveis de 2019 a longo prazo. Nesse cenário, diz Smolyansky, esses lucros só poderiam crescer tanto quanto o EBIT (lucro antes dos juros e impostos).

Mas voltemos à tese aqui apresentada: ela sugere que a diferença no crescimento dos lucros entre períodos comparados deriva diretamente da redução das taxas de juro e dos impostos corporativos. Para sustentar esta ideia, compara o crescimento dos lucros antes de subtrair as despesas de juros e impostos (EBIT). Surpreendentemente, o crescimento real do EBIT foi ligeiramente menor de 1989 a 2019 em comparação com 1962 a 1989: 2,2% versus 2,4% ao ano. 

A queda nas despesas de juros e impostos em relação ao EBIT é claramente ilustrada na próxima figura. “Em 1989, essa medida estava em 54%, próxima à média no período de 1962 a 1989. Em 2019, a medida havia diminuído pela metade, para 27%”, adianta o autor.

Em termos simples, isso significa que, de 1989 a 2019, uma fatia cada vez menor dos lucros corporativos estava sendo destinada a credores e autoridades fiscais. 

“Com um maior crescimento dos lucros de 1989 a 2019, as empresas foram capazes de aumentar os dividendos a uma taxa mais rápida em comparação com os 30 anos anteriores”, defende Slymansky. Os dividendos cresceram a uma taxa real de 3,3% ao ano de 1989 a 2019, em comparação com 1,1% de 1962 a 1989. “Em outras palavras, as empresas fizeram o que se espera delas: distribuíram seus lucros mais altos aos acionistas na forma de dividendos. Isso ocorreu mesmo quando as empresas mudaram sua política de distribuição de dividendos para recompra de ações nas últimas décadas. Também é evidente que, para ambos os períodos, a taxa de crescimento dos dividendos ficou um pouco abaixo da taxa de crescimento da renda”, conclui o autor deste estudo.

Qual o impacto nos mercados na visão do autor?

A análise diz que o crescimento dos lucros corporativos futuros só pode ocorrer com o aumento do lucro antes de juros e impostos (EBIT), a redução das despesas de juros em relação ao EBIT ou a redução dos impostos corporativos efetivos. Mas estes três fatores nem sempre são tão favoráveis como aconteceu entre 1989 e 2019.

Nos próximos anos, é altamente improvável que o crescimento dos lucros futuros seja beneficiado por uma redução nas taxas de juros e impostos corporativos. Em relação às taxas de juros, estas já atingiram níveis excepcionalmente baixos antes da pandemia. Em dezembro de 2019, o rendimento dos títulos do Tesouro de 10 anos estava em 1,9%, uma queda de 6 pontos percentuais desde 1989. As taxas de juros dos títulos corporativos também caíram na mesma proporção.

Além disso, é importante observar que as taxas de juros subiram substancialmente após a elevação da inflação. Isso sugere que há um limite para o quanto as taxas de juros podem cair abaixo dos níveis de 2019.

Então qual é uma taxa razoável de crescimento do EBIT que podemos esperar no futuro? Um fato relevante é que, de 1962 a 2019, o crescimento do EBIT ficou abaixo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA, com exceção do período da pandemia. Essa observação sugere que, a longo prazo, o crescimento dos lucros corporativos provavelmente não será superior ao crescimento do PIB. Na verdade, pode até ser menor se as taxas de juros e os impostos corporativos subirem acima dos níveis de 2019.

Por essa razão, segundo Michael Smolyansky, “o crescimento do preço das ações só pode ocorrer por meio do crescimento dos lucros ou da expansão dos múltiplos P/L. Se o crescimento real dos lucros não ultrapassar 2% ao ano, a perspectiva para as ações é sombria.” O autor argumenta que, a menos que ocorra uma expansão perpétua dos múltiplos P/L, o que é insustentável, os investidores provavelmente enfrentarão retornos reais das ações que não ultrapassarão cerca de 2%, equivalente à taxa de crescimento do PIB. Isto tem implicações para investidores individuais, fundos de aposentadoria e pensões, bem como para o desempenho dos mercados de ações.

Uma solução em que alguns gestores poderiam pensar seria a redução da alavancagem financeira das suas empresas: “Mantendo tudo o mais igual, isso diminuiria as despesas de juros em relação aos lucros antes dos juros e impostos (EBIT) e, consequentemente, impulsionaria os lucros corporativos”. No entanto, diz o economista do FED, não é barato reduzir a alavancagem, bem pelo contrário. ”Isso exigiria ou a emissão de novas ações, o que diluiria os acionistas existentes, ou a quitação de dívidas, o que envolveria pagamentos menores aos acionistas na forma de dividendos ou recompras de ações. Ambas as opções, emitir ações ou reduzir os pagamentos, seriam prejudiciais para os acionistas”.

Acesse o estudo original clicando aqui.