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“Inovação” é o caos gerenciado, por Eric Schmidt do Google.

O presidente da Alphabet pode ser considerado, ao lado de Larry Page e Sergey Brin, uma das maiores figuras da Google. Doutorado em Ciência da Computação pela Berkeley, foi membro da equipe de pesquisa do Laboratório de Informática do Centro de Pesquisa de Palo Alto da Xerox, diretor de tecnologia na Sun Microsystems (onde liderou o desenvolvimento do Java) e presidente da Novell. Schmidt destacou-se na Google como um executivo que soube “gerenciar o processo caótico da inovação” e está na origem de produtos como o Google Ads, Google News, Gmail ou Google Maps.

Com um patrimônio líquido estimado em 19,5 bilhões de dólares (Forbes), explica nesta entrevista a Masters of Scale como se tornou um decisor rápido a partir de um curso de aviação, o que explica, entre outras coisas, que a compra do Youtube tenha levado apenas dez dias para ser decidida. O anfitrião deste podcast é o co-fundador do LinkedIn, Reid Hoffman. Para seu conforto, incluímos os tempos em que pode escutar as citações desta conversa.

“Dois jovens. Eles tinham minha biografia toda na parede e tinham comida na mesa na frente deles. Pensei: ‘Isso é muito estranho.’ E eles passaram uma hora e meia me interrogando sobre o que eu estava fazendo na Novell e decidindo que era tolice—que os produtos que estávamos construindo não faziam sentido. E, é claro, eu forneci um contra-ataque veemente. E quando saí naquele dia, percebi que não tinha tido uma conversa tão boa em anos” (9:45). Foi assim que Eric Schmidt descreve a sua chegada à Google e o encontro com os fundadores, Larry e Sergey, depois de uma experiência mal sucedida na Novell.

Estavamos em 2001, o século prometia. Os escritórios da companhia pareciam baseados numa “cultura de estudante de pós-graduação”, muito informal, com comida disponível, escritórios lotados, e a ideia de que todos se estão divertindo. Mas, ao mesmo tempo, as ideias pululavam, aparentemente descontroladas. Como diz Hoffman, o apresentador do programa, numa  empresa inovadora, é preciso gerenciar o caos, o que parece – até certo ponto – uma contradição. Mas, no Google e em outras empresas de sucesso, não é assim: “Se você quer inventar algo novo, ou reinventar algo em uma ordem espetacular de magnitude, você tem que suprimir o gerenciamento. Deixe seus funcionários perseguirem ideias selvagens que podem surpreendê-lo. Não é para você julgar se as ideias deles são boas ou ruins. Cabe aos seus funcionários provar isso através de experimentação desenfreada” (6:27), defende o  co-fundador do LinkedIn.

Mas, quando chegou, Schmidt vinha de certa forma traumatizado pela gestão frouxa de uma empresa que quase faliu, a Novell. E uma das primeiras propostas que ouviu de sua equipe o deixou bem preocupado. Uma radical maneira de definir os preços dos anúncios, um leilão em que os licitantes não sabiam as propostas dos seus concorrentes. Além disso, quem vencesse só pagava o preço do segundo licitante. Esta ideia estava explicada em artigos acadêmicos, mas as empresas não a colocavam em prática.

O engenheiro californiano era já CEO da Google e ficou, no mínimo, hesitante: “Eu estava absolutamente convencido de que isso levaria a empresa à falência. E eu estava tão convencido que ordenei um período de restrição de caixa, onde a única coisa que você podia fazer era gastar dinheiro nas manhãs de sexta-feira, às 10:00”(16:08). Se fosse necessário comprar lápis, computadores, qualquer compra, pois ela tinha de ser validada no seu escritório.

A verdade é que esta solução aumentou as vendas de forma muito significativa, o que só foi conhecido ao final de uma semana. “Foi nesse momento que percebi que tanto essa equipe era mágica, mas também que a escala da oportunidade de anúncios de pesquisa era imensamente maior do que pensávamos”(17:00), descobriu Schmidt. O potencial estava, afinal, em aproveitar essa magia, uma capacidade extraordinária dos seus colaboradores, encontrar formas de criar “um clima de livre geração de ideias e investigação aberta”—como descreve Hoffman—“combinado com tomadas de decisões disciplinadas para prosperar”(21.3%). Esse seria o aliciante desafio do antigo executivo da Novell.

Como diz o apresentador de Masters of Scale, “quando você está cercado por mentes jovens e brilhantes, não precisa pressionar muito por ideias interessantes. Elas tendem a surgir de conversas ou desafios compartilhados e levá-lo a direções imprevisíveis”(14:34). Mas nem todos os executivos estão preparados para um processo que não é simplesmente top down. “Isso requer um tipo específico de líder que pode abraçar tanto a humildade—a desconfortável ideia de que você não tem todas as melhores ideias por si mesmo—quanto a incerteza—porque você não pode sempre programar a inovação em um cronograma previsível” (14:44).

Decidir e definir

Pilotar aviões serviu a Schmidt como uma lição que também lhe serviu na sua vida profissional. Na aviação é preciso tomar decisões rápidas, e nas empresas também, porque “é melhor tomar uma decisão e simplesmente aceitar as consequências”(8.44). Mas para que isso aconteça, uma mente tão rigorosa como a sua necessitava de uma base, a organização deve ter um sistema bem definido, uma certa lógica e uma certa beleza.

“A maioria das grandes corporações tem muitos advogados, muitos tomadores de decisão, proprietários indefinidos, e as coisas congelam— ocorrem muito lentamente. Mas algumas das maiores coisas acontecem muito rapidamente”(22:20). Foi o que aconteceu com a compra do Youtube em apenas dez dias, porque—sublinha—“estávamos prontos, as pessoas estavam  focadas, tivemos uma reunião de conselho—queríamos resolver isso” (22:36). Hoje, refere o entrevistado, as decisões na Google são tomadas rapidamente, em quase todos os casos (o que parece absolutamente extraordinário, dada a escala da empresa), e isso é um legado desses primeiros tempos.

Mas o que aconteceu ao processo criativo? Para haver decisões seria necessário aparecerem projetos, e cada vez que Eric saía da sala executiva encontrava conversas geradoras de ideias “por toda a empresa”. “Essa combinação de ideias inventivas de baixo para cima e tomada de decisão focalizada de cima para baixo guiou o crescimento do Google nos últimos 16 anos”, explica Hoffman, “mas as duas forças nem sempre convivem confortavelmente”(23:04). Para a fluidez do processo era necessária uma certa competitividade interna, o que levou a algumas medidas radicais. Os líderes de produtos, por exemplo, tinham liberdade para atrair os engenheiros que quisessem para os seus projetos, desde que os conseguissem convencer.

Mas Schmidt foi mais longe, permitindo aos funcionários que dedicassem vinte por cento do seu tempo aos projetos que desejassem. Para além de desafiarem as próprias chefias, esta medida—que se tornou famosa—levou ao aparecimento de produtos inovadores como o Gmail ou o Google Maps: “Grande parte do trabalho de mapeamento, muitas ideias de busca, muitas de publicidade, muitas do trabalho de IA agora, surgiram das pessoas trabalhando e praticando em novas áreas” (24:20), explica. E há uma lógica completamente evidente por trás desta medida, e que explica o seu sucesso: “embora a regra diga que você pode fazer qualquer coisa que quiser com seu tempo de 20%, essas pessoas são cientistas da computação e engenheiros, não vão se afastar muito de seu negócio principal—e esse é a genialidade do tempo de 20%”(24:50).

Além disso, como bem sublinha o moderador do programa (a propósito, Masters of Scale tem muitas outras entrevistas interessantes a gestores de topo nos Estados Unidos, é mesmo um excelente podcast), esta medida do tempo “permite que funcionários razoáveis desafiem gerentes irrazoáveis. E essa desobediência institucionalizada pode ajudar a equilibrar o poder e manter os funcionários de alto desempenho engajados durante momentos desafiadores” (25:10).

O processo de tentativa e erro nem sempre é bem compreendido pela gestão, que por vezes entende que se trata de uma pura perda de tempo. Na verdade, Schmidt defende que o valor da falha não se consegue sequer calcular, porque fica certo que aquele não é o caminho. Então, é preciso procurar outro. “Persistência não significa continuar no mesmo programa, contra a mesma colina, com a mesma marreta, ou qualquer que seja a metáfora que você quiser. Persistência significa que você continua tentando, mas muda suas táticas. Você modifica sua estratégia, pensa de maneira diferente sobre como resolver o problema e não desiste” (26.26).

Escalar o mundo

Nesta fase, o processo caótico de invenção estava gerenciado, e as conversas seguiam livremente. As decisões eram tomadas com a rapidez necessária para facilitar a sua implementação. Aos poucos, a Google começou a olhar para os mercados globais. E, quando isso aconteceu, Schmidt pediu ao seu colega

Omid Kordestani (sim, esse mesmo, o antigo presidente do Twitter) que encontrasse as pessoas certas na Europa. Em uma semana, estava contratado o chefe de operação em Londres e identificados os chefes de operação em Paris e Hamburgo. Hoje, o mercado europeu representa mais de metade das receitas da companhia. Saber qual é a hora de expandir—diz Hoffmann—“é talvez a decisão mais valiosa que um gerente pode tomar. E porque Eric estava acostumado a tomar decisões rápidas e informadas, ele estava pronto quando chegou a hora”(28:46).

Mas para escalar o mundo, numa empresa que quadruplicava de tamanho a cada ano, era necessário preencher o quadro da Google de criativos inteligentes. E de se livrar daqueles a quem Schmidt chamava de “pessoas cola”, pessoas muito legais que ficam entre funções e ajudam de ambos os lados, mas não agregam muito valor por si mesmas.

Em uma empresa de base tecnológica, foram criados algoritmos de contratação, que são usados em toda a indústria hoje. O processo era duro e incluía “entrevistas de contratação bastante agressivas entre os colegas, pedindo às pessoas que façam trabalhos, e assim por diante. No final, o julgamento tem muito a ver com se a pessoa é interessante ou não. E então, por exemplo, nós tínhamos a posição de que queríamos contratar cientistas de foguetes, porque cientistas de foguetes são inerentemente interessantes. E em vendas, adoramos contratar atletas olímpicos. Ou vencedores do Super Bowl, ou jogadores de futebol americano—por causa da disciplina que eles tinham em suas vidas quando eram jovens—homens e mulheres—chegar a esse ponto indicava uma disciplina extra”(30:30).

Evidentemente, nem todas as empresas conseguem contratar atletas olímpicos ou cientistas de foguetes, mas há uma característica que todos eles têm e que os torna diferenciados: a persistência. “Hoje, eu sugeriria que—e isso foi confirmado por muitos estudos desde então—a persistência é o maior preditor de sucesso futuro. Então, buscaríamos a persistência. E a segunda coisa era a curiosidade. Com o que você se importa? A combinação de persistência e curiosidade é um bom preditor de sucesso do funcionário em uma economia do conhecimento”(31:20), conclui o CEO da Alphabet.

Finalmente, a comunicação e o alinhamento de ideias. Partindo do princípio que a máquina está redonda e em funcionamento, com gente criativa, um framework de trabalho e um processo de decisão transparente. “Nenhum desses passos, por si só, desbloqueará ideias inovadoras, a menos que as pessoas também estejam compartilhando informações em toda a organização, desde a alta administração até a linha de frente”(31:57).

Então o que falta? A experiência dos usuários é valiosa e deve ser integrada no dia-a-dia da empresa. Você é daqueles que sabem muito sobre a Google?

Talvez se surpreenda lendo esta história contada por Eric Schmidt: “A coisa mais interessante sobre as vacas é que elas se organizam de norte a sul, e fazem isso porque há ressonância magnética dentro de seus cérebros de vaca. Como isso foi descoberto? Graças ao Google Maps”(32:26). Na verdade, esta ferramenta permitiu aos pesquisadores concluirem que todos os rebanhos têm a mesma configuração, com focinhos alinhados de norte a sul. E esta observação levou a novos projetos de investigação, que talvez levem ao desenvolvimento de tecnologia, num sem fim inovador que faz rolar o mundo.

Eric Schmidt é, em suma, um gerenciador improvável de um caos de ideias. Mas, como ele próprio conclui neste Masters of Scale, “aprender sobre o comportamento humano e como as pessoas realmente vivem e trabalham, acredito, sempre é um choque. Os humanos são muito mais variados do que você e eu pensamos que são. E a maioria das pessoas não sabe disso ou não presta atenção a isso”(33:14).

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