Em apenas três anos, a Nike viu sua liderança de mercado ser abalada por uma série de decisões estratégicas mal calculadas, levando à destruição de bilhões em valor de mercado. Massimo Giunca analisou os erros cometidos pela gigante do esporte e as consequências catastróficas que essas escolhas tiveram na marca, no produto e na relação com os consumidores.
Pontos-chave (Key Insights):
- Decisões Estratégicas Mal Calculadas: A tentativa da Nike de se reinventar por meio de decisões radicais, como a eliminação de categorias e o foco exclusivo em vendas diretas ao consumidor (DTC), resultou na perda de bilhões de dólares em valor de mercado e minou sua liderança de mercado.
- Impacto da Marginalização do Atacado: A decisão de reduzir a dependência do atacado em favor do DTC resultou em problemas significativos na gestão de estoque e na cadeia de suprimentos. A incapacidade de prever a demanda e a dependência excessiva de vendas digitais levaram a um excesso de estoque, forçando a Nike a recorrer a descontos agressivos, que por sua vez corroeram as margens de lucro.
- Adoção de um Modelo de Marketing Ineficaz: A mudança de foco de marketing da Nike, de criar demanda para servir e reter consumidores existentes, levou a um aumento insustentável de investimentos em publicidade programática. Essa abordagem resultou em um grande desperdício de recursos financeiros e na alienação de parte significativa da base de consumidores.
Os três grandes erros da Nike
Nos últimos anos, a Nike, outrora vista como a incontestável líder no setor de artigos esportivos, passou por um período turbulento, marcado por uma queda acentuada em sua performance financeira e reputação de mercado. Em um artigo para o LinkedIn, o consultor de marketing Massimo Giunco analisa quais os principais erros da equipa de John Donahoe, que assumiu o cargo de CEO da companhia em janeiro de 2020.
A transformação iniciada por Donahoe foi motivada por três decisões principais, explica: eliminar categorias dentro da organização, tornar a Nike uma empresa liderada pelo canal direto ao consumidor (DTC) e centralizar o marketing, tornando-o orientado por dados e digital. A pandemia disfarçou o que se seguiria, sustenta Giunco. Depois de um início promissor, e “uma vez que a normalidade retornou, as coisas começaram a mostrar, lentamente, mas regularmente, trimestre a trimestre, que a linha de separação entre ser ambicioso ou estar errado era muito tênue.”
De certa forma, as alterações na estratégia da marca colocaram à prova a substituição do conhecimento especializado por um modelo baseado sobretudo em dados e na destruição de postos de trabalho de funcionários experientes. O resultado foi o enfraquecimento da capacidade da Nike de inovar em produtos específicos. “Se hoje falamos de falta de inovação e energia na criação de produtos, bem, sabemos exatamente o que originou tudo isso”, conclui o autor do artigo.
A Marginalização do Atacado e o Foco no DTC
A decisão de diminuir o papel do atacado em favor do DTC foi outro grande erro estratégico, sustenta o autor do artigo. Tradicionalmente, a Nike sempre dependeu fortemente do atacado para distribuir seus produtos globalmente. Mas não foi difícil, bem pelo contrário: “A Nike simplesmente começou a rescindir centenas de contratos com muitos parceiros locais ou a reduzir os negócios que tinha com eles”, explica Giunca, “e fizeram isso globalmente, mostrando o dedo do meio para parceiros com os quais a Nike havia trabalhado por décadas em qualquer parte do mundo e reduzindo brutalmente o número de pessoas que trabalhavam nas equipes de vendas nos países”.
No curto prazo, essa estratégia parecia funcionar, especialmente devido ao crescimento do e-commerce durante a pandemia. No entanto, conforme as vendas nas lojas físicas começaram a se recuperar, a Nike se viu incapaz de atender à demanda corretamente. “O nível de estoque em 31 de maio de 2021 era de 6,5 bilhões de dólares. Em 31 de maio de 2022, era de 8,5 bilhões. Em 30 de novembro de 2022, chegou a 10 bilhões.” A incapacidade de gerenciar a cadeia de suprimentos e prever a demanda resultou em grandes volumes de estoque não vendidos, forçando a empresa a recorrer a descontos constantes, corroendo ainda mais suas margens de lucro.
Além disso, os consumidores, menos leais do que os executivos da Nike esperavam, continuaram comprando de outras marcas quando não encontraram os produtos da Nike nas lojas que costumavam frequentar.
O Ecossistema Canibal que a Nike Criou
No centro dessas mudanças estava a nova abordagem de marketing da Nike, que trocou a criação de demanda pelo foco em servir e reter os consumidores existentes. Essa mudança radical levou a um aumento massivo nos investimentos em publicidade programática e marketing de performance, ao custo de campanhas de marca tradicionais: “investir bilhões em algo menos eficaz, mas mais fácil de medir, ao invés de algo mais eficaz, mas menos fácil de medir, resultou em um desperdício impressionante de dinheiro”, sublinha o estrategista de marketing italiano.
A consequência foi uma erosão rápida da margem bruta da empresa, que caiu de 46% no ano fiscal de 2022 para 43,5% no ano fiscal de 2023. O foco excessivo em vendas digitais e a obsessão com o “membership” acabaram por alienar uma parte significativa da base de consumidores e prejudicar a imagem da marca.
Um Longo Caminho de Recuperação
Apesar das adversidades, ainda há esperança para a Nike, diz Massimo Giunca. Ela ainda é “uma das marcas mais famosas e populares do mundo. A Nike ainda é líder de mercado em sua indústria” No entanto, para que a empresa recupere sua glória perdida, será necessário um esforço hercúleo, que incluirá a reconstrução da liderança em inovação de produtos, a reconquista da influência sobre o mercado e a desintoxicação da marca do abuso de marketing de performance.
O caminho para a recuperação será longo e caro, e ainda há incertezas sobre a capacidade da atual liderança em guiar a empresa de volta ao topo. “Os dois executivos são mais um problema do que uma oportunidade na busca pela glória perdida”, defende o autor deste artigo publicado no LinkedIn. A Nike, que já encantou o mundo com campanhas icônicas, agora enfrenta o desafio de recuperar o prestígio e a relevância que outrora a tornaram uma marca venerada globalmente.
O que aconteceu com a Nike nos últimos anos é uma advertência sobre os perigos de decisões estratégicas mal fundamentadas e da desconexão com as realidades do mercado e do comportamento do consumidor. A recuperação é possível, mas exigirá tempo, paciência e, acima de tudo, uma liderança que entenda as raízes do sucesso da Nike e esteja disposta a corrigi-la, conclui Massimo Giunca.
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