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O impacto da geopolítica nas decisões empresariais

O ambiente global enfrenta mudanças rápidas impulsionadas por tensões geopolíticas, avanços tecnológicos e a transição energética. A Deloitte Insight analisa os principais desafios para as empresas, e sugere quais as melhores estratégias para os enfrentar e até mesmo se beneficiar.

Pontos-Chave:

  • Um novo ambiente geoeconômico: A segurança nacional, a corrida pela liderança tecnológica e a agenda ambiental mudaram o cenário econômico global.
  • Novas barreiras e oportunidades estão emergindo: A formação de novos corredores comerciais, a ascensão e fragmentação do comércio digital, e assimetrias no comércio de minerais críticos marcam o momento presente.
  • Estratégias de resiliência são necessárias: Uma visão de longo prazo sobre riscos, preparação para regulamentações mais rígidas e decisões ao nível de produtos caracterizam as empresas mais ágeis.

O comércio global passou por grandes transformações nas últimas décadas. Após a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o mundo experimentou uma fase de intensa liberalização econômica. Diversos países que antes seguiam ideais comunistas adotaram o capitalismo, e a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada para facilitar o comércio internacional. As tarifas foram reduzidas, as barreiras não tarifárias diminuíram, e as cadeias de fornecimento internacionais se tornaram complexas, focadas em eficiência econômica.

Contudo, nos últimos anos, eventos como a pandemia do COVID-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia revelaram vulnerabilidades no sistema. Esses fatores, somados à crescente rivalidade entre os Estados Unidos e a China, transformaram o cenário geoeconômico, gerando desafios inéditos para as empresas.

Neste artigo, Soichiro Shibata (diretor da Monitor Deloitte no Japão) e Alexander Boersch (economista-chefe da Deloitte Alemanha) analisam o cenário atual e propõem soluções para enfrentar os desafios empresariais que se apresentam, com foco na economia digital e globalização.

O novo ambiente geoeconômico

O cenário econômico global atual é caracterizado por uma série de mudanças estruturais impulsionadas por três forças principais: a convergência entre segurança nacional e política econômica, a corrida por liderança tecnológica e a agenda ambiental.

A segurança internacional se agravou com a guerra na Ucrânia e o aumento das tensões EUA-China, levando governos a revisarem políticas comerciais e de defesa. Os Estados Unidos têm se destacado em alinhar segurança nacional e políticas econômicas, impondo restrições e controles de exportação para proteger setores estratégicos como o de semicondutores. A União Europeia e o Japão adotaram medidas semelhantes, aumentando o controle sobre investimentos estrangeiros e criando políticas de segurança cibernética.

Este novo ambiente de segurança gera, no entanto, “a incerteza sobre o que exatamente constitui uma questão de segurança nacional. Determinar isso fica a critério dos governos nacionais, o que permite variações significativas nas políticas e abordagens. Isso também cria complicações e riscos para o comércio”, como sublinham os autores.

A economia global também está sendo definida pela corrida por tecnologias emergentes, como inteligência artificial e biotecnologia. Países que lideram nesses setores têm vantagens econômicas e geopolíticas: “Os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão identificaram a IA, a energia renovável e os semicondutores como indústrias prioritárias. Esse alinhamento estratégico não é por acaso, pois esses setores estão posicionados na interseção entre competitividade industrial e segurança nacional”, lembra a Deloitte.

Nos Estados Unidos, leis como o Inflation Reduction Act e o CHIPS and Science Act destinam bilhões de dólares para fomentar a inovação e a produção local. Críticos argumentam que essas políticas são caras e protecionistas, mas os investimentos têm atraído indústrias inteiras. O foco mudou de eficiência econômica para liderança tecnológica, revelando uma abordagem mais estratégica por parte das nações desenvolvidas.

O terceiro fator identificado neste artigo como pivô da mudança neste primeiro quarto do século XXI é a agenda ambiental, que se tornou crucial diante das mudanças climáticas. O mundo está migrando para energias limpas, e a demanda por minerais e metais críticos, como os usados em baterias e turbinas eólicas, disparou.

A produção desses materiais está, no entanto, concentrada em poucos países, como a China e a Indonésia, o que cria novas dependências geopolíticas. O aumento da demanda de matérias-primas, acompanhado por um “gargalo no fornecimento”, cria o que autores chamam de dilema verde, “onde o impulso por tecnologias sustentáveis leva inadvertidamente a novas dependências de alguns países ricos em recursos”.

A transição energética é, assim, um desafio complexo, com implicações tanto econômicas quanto de segurança. Ao mesmo tempo, o aumento da influência de nações ricas em recursos minerais está redesenhando os fluxos de comércio e alterando as estratégias corporativas.

Barreiras e oportunidades

Os fluxos globais de comércio estão, como vimos anteriormente, num processo de enorme mudança. Em resposta a essa alteração, três grandes tendências estão emergindo: a formação de novos corredores comerciais, a ascensão e fragmentação do comércio digital, e assimetrias no comércio de minerais críticos.

Primeiro, novos corredores comerciais estão surgindo, resultado de competições geoeconômicas, como as rotas que conectam China e EUA por meio de países intermediários. Por exemplo, como podemos ver no quadro seguinte, o Vietnã teve um aumento significativo nas importações da China e nas exportações para os EUA, evidenciando cadeias de suprimentos mais complexas e resilientes.

Pelas suas características, estas cadeias podem implicar em maiores custos, mas “elas também geram mais resiliência ao incluir capacidade adicional e estoque distribuído em vários locais. As empresas esperam que isso as ajude a superar os desafios impostos por um ambiente econômico cada vez mais incerto”, sublinham Shibata e Boersch.

O comércio digital também está crescendo, impulsionado por serviços e tecnologias emergentes como IA e metaverso. Entre 2018 e 2022, o comércio eletrônico transfronteiriço na China cresceu 95%, acelerado por soluções digitais que otimizam a produtividade.

Este setor está, porém, já apresenta sinais de fragmentação, devido a preocupações acerca de segurança de dados, com países estabelecendo suas próprias regras: “os países estão tanto competindo quanto colaborando para desenvolver padrões digitais, modelos de governança de dados e protocolos de cibersegurança que atendam a seus interesses”, processos que se têm intensificado à mesma velocidade que o crescimento econômico e à segurança nacional se ligam à coleta e tratamento de dados.

Por fim, o comércio de minerais críticos está ganhando destaque, especialmente com a crescente demanda por baterias e tecnologias limpas. No entanto, existem assimetrias na produção e processamento desses minerais, concentrados em poucos países como Austrália, Chile e a República Democrática do Congo, e com grande dependência da China. Alianças internacionais, como a Mineral Security Partnership, buscam diversificar essas cadeias de suprimento, embora – na opinião dos autores – essas dinâmicas no mercado indiquem “que o comércio global de minerais críticos provavelmente crescerá, mas continuará volátil, influenciado não apenas por forças de mercado, mas também por fatores geopolíticos”.

Estratégias adaptativas

O ambiente global está passando por uma transformação estrutural, exigindo que as empresas adotem estratégias de crescimento robustas e gestão de riscos proativas. Para se manterem competitivas e resilientes diante de mudanças e incertezas globais, três medidas estratégicas são essenciais: uma visão de longo prazo sobre riscos geopolíticos, preparação para regulamentações mais rígidas e decisões específicas ao nível de produtos.

Primeiramente, ter uma perspectiva de longo prazo sobre riscos geopolíticos é crucial. Diversificar geograficamente a cadeia de suprimentos pode fortalecer a resiliência, mas sem considerar adequadamente os riscos políticos dos países de destino, essa estratégia pode falhar: “relações sobrepostas e potencialmente conflitantes aumentam o desafio de desenvolver cadeias de suprimentos em países com visões alinhadas, uma ideia que ganhou força em alguns círculos de decisão nos últimos anos. A diversificação geográfica não equivale necessariamente à diversificação geopolítica”, avisam Shibata e Boersch.

Essa complexidade é ampliada por relações multilaterais conflitantes, exigindo que as empresas monitorem continuamente o ambiente geopolítico para proteger seus interesses.

Em segundo lugar, a crescente pressão regulatória, especialmente no setor digital, requer atenção redobrada. Novas tecnologias, como a IA, trazem desafios regulatórios relacionados a algoritmos e segurança de dados: “dada a dificuldade em garantir a precisão ou transparência dos algoritmos usados nessas tecnologias, serviços ou empresas específicas com implicações para a segurança nacional podem correr o risco de serem totalmente banidos em breve, como já é visível em alguns mercados, como os Estados Unidos” e em outros pontos do mundo, se quisermos ser justos.

As empresas devem assim adaptar suas estratégias de TI para garantir conformidade, considerando soluções locais para a gestão de dados e preparando-se para potenciais restrições que afetam a escalabilidade de serviços digitais.

Por fim, decisões a nível de produto são fundamentais para mitigar impactos geoeconômicos. Produtos tecnologicamente sofisticados, como semicondutores, enfrentam restrições mais severas devido a preocupações com segurança nacional. De acordo com esta análise, “à medida que as empresas expandem sua presença global, seu portfólio de produtos provavelmente se tornará mais diversificado para atender às necessidades dos clientes em cada mercado”. Produtos do mesmo segmento de negócios, podem, em função das suas características tecnológicas, “enfrentar diferentes níveis de impacto geoeconômico”.

Em conclusão, a nova ordem geoeconômica não se trata de escolher lados, mas de antecipar riscos e diversificar. Num quadro de grande incerteza e de mudança permanente, é necessário que as empresas se tornem mais ágeis para enfrentar barreiras crescentes e identificar oportunidades de criação de valor.

Para ler o artigo original, clique aqui.